quinta-feira, 14 de julho de 2016

Federico García Lorca e a Avenida de Mayo





Federico García Lorca e a Avenida de Mayo de Buenos Aires

O ultra-conservador La Nación (jornal fundado por Bartolomé Mitre em 1870, ano em que terminou a Guerra do Paraguai, que tão vergonhosamente protagonizou junto com o Império Brasileiro e o Uruguai, contra o povo guarani) nos lembra que num dia de julho, em 1894, Federico Pinedo, prefeito de Buenos Aires, inaugurou a Avenida de Mayo, um dos projetos urbanísticos más emblemáticos da Capital Federal argentina, agora rebatizada como "Ciudad Autónoma de BsAs."

A primeira linha da rede de trens subterrâneos foi inaugurada em janeiro 1913, sendo o primeiro do tipo em Ibero-América e em todo o Hemisfério Sul. A rede cresceu rapidamente durante as primeiras décadas do século, mas o ritmo de ampliação caiu de um modo drástico depois da Segunda Guerra Mundial. A finais da década de 1990 se começou um novo processo de expansão com o planejamento de 4 novas linhas. 

Para os que só foram uma ou duas vezes a Buenos Aires, e bom não confundir a Avenida de Mayo com a 9 de Julio, que é a via pública mais larga da capital argentina, e uma das mais amplas do mundo, com 145 metros de largura. Foi inaugurada em 1937, e para a sua construção foram demolidos 5 quarteirões. O seu nome homenageia a declaração da independência argentina em 1816.

Voltando à Avenida de Mayo, primeira grande via na América do Sul, seu planejamento foi muito debatido e resistido, pois exigiu a desapropriação e demolição de construções pertencentes à alta sociedade, além de ser considerado muito caro. Sua realização se inspirou nos bulevares de Paris, mas a caudalosa vertente imigratória espanhola marcou seu caráter hispânico ao deixá-la povoada de teatros de zarzuelas, cafés similares aos de Madri, ateneus, associações literárias e "peñas" formadas por galegos, sobretudo, que influíram na sua arquitetura, pelo qual é comparada com a "Gran Vía" madrilenha.



No porto esperam por ele, além de um mar de jornalistas, Gregorio Martínez Sierra, a actriz Lola Membrives e seu marido, o empresário de teatro, e seus tios Francisco y María, que como conta Pedro Villarejo em seu “García Lorca en Buenos Aires”, no capítulo “Anoche llegó el poeta”, “não deixaram em Granada o lenço grande que as emociones enchem de lágrimas”. O escenógrafo Manuel Fontanals  acrescenta que também esteve no encontro a mulher que tinha sido babá do poeta em Granada, e que morava em Buenos Aires fazia já três anos.

O antigo e conservador jornal La Nación contará o fato dizendo que “chegará hoje a Buenos Aires  Federico García Lorca, jovem poeta que alcançou vasta fama e a consagração respeitosa e que é na Espanha um dos expoentes mais representativos quiçá o  mais, da sua nova literatura, moderna e irrequieta…".

27 em Buenos Aires

Mas Federico García Lorca não era o primeiro escritor espanhol que visitava Buenos Aires. Na década dos 20, antes da data decisiva de 1931, a cidade tinha já um enorme interesse pelos escritores espanhóis e a literatura da península. A Argentina vivia uma situação econômica mais favorável que a de muitos países da Europa, sobretudo os que mais proviam a nação sul-americana de mão de obra imigrante, mas também de intelectuais que fugiam do avanço do fascismo, Espanha e Itália. O visível florescimento depois da primeira grande guerra, e um brilhante ambiente cultural, eram a grande atração para os intelectuais europeus, a Buenos Aires foram chegando, como conta Irma Emiliozzi, no seu “El 27…en Buenos Aires”. Nessa obra, “El 27, Ayala, Bautista, Diego, Lorca en Buenos Aires. Estudios y documentación inédita”, se compilam as intervenções dos convidados espanhóis e argentinos que expuseram nas jornadas internacionais em Buenos Aires sobre o “grupo de 1927”. Inclui a “Homenaje a Francisco Ayala en su siglo”, realizada pelo Centro Cultural de España em Buenos Aires (CCEBA) a Fundación Carolina de Argentina, coordenado por Irma Emiliozzi, em Buenos Aires, em setembro de 2007. Foram homenagens aos 80 anos da formação do que se chamou a geração de 27, geração de 25, geração da amizade, ou “Grupo del 27”.

Lorca e a Avenida de Mayo

A Avenida de Mayo é uma via espaçosa e clássica no bairro de Montserrat, o mais espanhol e tradicional da cidade, inaugurada em 9 de julho de 1894. Muitas das suas lojas, hotéis e esquinas trazem à memória o ambiente familiar do espanhol, com nomes como o Hotel Escorial, o Hotel Madrid, o Gran Hotel Hispano, ou o Mesón Español.

É a Avenida de Mayo é também, e sempre foi, a via do cenário político, uma vez que une a Casa Rosada, sede do poder executivo com a “Plaza de los dos Congresos” -assim chamada por causa da Assembleia do ano 1813 e do Congresso de Tucumán, de 9 de julho de 1816-.

A avenida exige do visitante um detalhado percurso literário, pois nela se sucedem o lugar onde José Hernández escreveu seu Martín Fierro, onde funcionava o jornal La Prensa, em que Borges fez suas primeiras  armas jornalísticas, e ali também se encontra o Bar London, onde Julio Cortázar imaginou o ambiente de Los premios, de 1960. Desde 1997, a Avenida é reconhecida e preservada por lei como um lugar histórico nacional.

E até a avenida chegaram também os fortes tremores das lutas políticas na Espanha durante a Guerra Civil, já que nela ficam também os dos cafés, o “El Iberia”, que reúnem durante esses anos os republicanos, fato lembrado pela placa de 2006, aniversario dos 70 anos da 2ª República, e também o “El Español”,  onde se reuniam os “nacionales”, partidários de Franco e dos golpistas; e ainda ficavam um em frente ao outro, como numa metáfora da guerra que dividiu a Espanha de 1936 a 39 –e ainda divide, na memória mal resolvida pela “transição”-.

Esta é a avenida dos galegos e dos espanhóis -sobretudo republicanos- em geral. Por isso é que há uma placa lembrando Lorca no principal hotel da região, e outra em homenagem aos membros das Brigadas Internacionais argentinos e uruguaios que foram lutar contra Franco. 

E foi esse da avenida o espaço vital que conheceu Federico García Lorca durante seu encontro com a grande cidade portenha na época em que o poeta viaja a Buenos Aires. Cidade de imigrantes, é adornada com as melhores galas da arte modernista, europeia e universal, que deixou as marcas importantes de um luxo que ainda hoje brilham e comovem os que são sensíveis às culturas, pela intensidade da sua beleza e dos seus simbolismos.

É na Avenida de Mayo, no número 1152, onde fica o Hotel Castelar, assim chamado porque os donos quiseram homenagear o primeiro presidente da Iª República Espanhola, dom Emilio Castelar. Hotel construído sob os cânones da época, foi nele que se hospedou nosso poeta, no quarto 704, que foi restaurado em 2003 e que hoje pode ser visitado aos finais de semana. Uma placa na fachada e um poema, lembra hoje o ilustre visitante granadino.

E é na Avenida de Mayo que estão os pontos de maior referência na visita de Lorca a Buenos Aires, a Peña Signo, o Teatro Avenida, o Café Tortoni, a Peña de las Gentes de las Artes y las Letras, o café 36 Billares,  e a rádio Splendid -que foi a que gravou a voz do poeta durante a visita. 

Mas voltando à chegada de Lorca, lembremos as palavras de agradecimento que não podiam faltar na ocasião:

En el comienzo de mi vida de autor dramático, yo considero como un fuerte espaldarazo la ayuda de Buenos Aires que corresponde buscando su perfil entre los barcos, sus mandoneones, sus finos caballos tendidos al viento, la música dormida de su castellano suave, los hogares limpios donde el tango abre en el crepúsculo sus mejores abanicos de lágrimas”.

Lorca chega a Buenos Aires quando já é bem conhecido na Espanha, pois em 1927 apresentou em Barcelona sua peça Mariana Pineda, e em 1928 publicou seu Romancero gitano, e mais tarde, em 1931, seus Poemas del cante jondo, e em 1933 se apresenta em Madri, no Teatro Fontalva com o famoso Bodas de sangre, e é codiretor de La Barraca com Manuel Ugarte.

Em 1928, Federico García Lorca funda a revista Gallo para fazer conhecer a jovem poesia, que embora dure só dois números, algumas de suas matérias tem um nível e uma repercussão muito fortes, como o que apresenta o “Manifiesto antiartístico catalán” de Salvador Dalí.

Javier Villanueva. São Paulo. Julho de 2015.

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