Federico García Lorca e a Avenida de Mayo de Buenos
Aires
O ultra-conservador La Nación (jornal
fundado por Bartolomé Mitre em 1870, ano em que terminou a Guerra do Paraguai,
que tão vergonhosamente protagonizou junto com o Império Brasileiro e o
Uruguai, contra o povo guarani) nos lembra que num dia de julho, em 1894,
Federico Pinedo, prefeito de Buenos Aires, inaugurou a Avenida de Mayo, um dos
projetos urbanísticos más emblemáticos da Capital Federal argentina, agora
rebatizada como "Ciudad Autónoma de BsAs."
A primeira linha da rede de trens
subterrâneos foi inaugurada em janeiro 1913, sendo o primeiro do tipo em
Ibero-América e em todo o Hemisfério Sul. A rede cresceu rapidamente durante as
primeiras décadas do século, mas o ritmo de ampliação caiu de um modo drástico
depois da Segunda Guerra Mundial. A finais da década de 1990 se começou um novo
processo de expansão com o planejamento de 4 novas linhas.
Para os que só foram uma ou duas
vezes a Buenos Aires, e bom não confundir a Avenida de Mayo com a 9
de Julio, que é a via pública mais larga da capital argentina, e uma das
mais amplas do mundo, com 145 metros de largura. Foi inaugurada em 1937, e para
a sua construção foram demolidos 5 quarteirões. O seu nome homenageia a
declaração da independência argentina em 1816.
Voltando à Avenida de Mayo, primeira grande via na América do Sul, seu planejamento foi muito debatido e resistido, pois exigiu a desapropriação e demolição de construções pertencentes à alta sociedade, além de ser considerado muito caro. Sua realização se inspirou nos bulevares de Paris, mas a caudalosa vertente imigratória espanhola marcou seu caráter hispânico ao deixá-la povoada de teatros de zarzuelas, cafés similares aos de Madri, ateneus, associações literárias e "peñas" formadas por galegos, sobretudo, que influíram na sua arquitetura, pelo qual é comparada com a "Gran Vía" madrilenha.
E para encontrar-se com esta paisagem
urbana tão particular, é que, uma sexta feira 13 de outubro de 1933, Lorca
chega na capital argentina, a bordo do navio Conte Grande encerrando
assim, com esta visita, uma “gira” que o levou a fechar o triângulo das
três maiores e mais importantes cidades americanas da época; e esse foi um fato
que deixará marcas profundas no pensamento e na obra do autor.
No porto esperam por ele, além de um
mar de jornalistas, Gregorio Martínez Sierra, a actriz Lola Membrives e seu
marido, o empresário de teatro, e seus tios Francisco y María, que como conta
Pedro Villarejo em seu “García Lorca en Buenos Aires”, no capítulo “Anoche
llegó el poeta”, “não deixaram em Granada o lenço grande que as emociones
enchem de lágrimas”. O escenógrafo Manuel Fontanals acrescenta que também
esteve no encontro a mulher que tinha sido babá do poeta em Granada, e que
morava em Buenos Aires fazia já três anos.
O antigo e conservador jornal La
Nación contará o fato dizendo que “chegará hoje a Buenos
Aires Federico García Lorca, jovem poeta que alcançou vasta fama e a
consagração respeitosa e que é na Espanha um dos expoentes mais representativos
quiçá o mais, da sua nova literatura, moderna e irrequieta…".
27 em Buenos Aires
Mas Federico García Lorca não era o
primeiro escritor espanhol que visitava Buenos Aires. Na década dos 20, antes
da data decisiva de 1931, a cidade tinha já um enorme interesse pelos
escritores espanhóis e a literatura da península. A Argentina vivia uma
situação econômica mais favorável que a de muitos países da Europa, sobretudo
os que mais proviam a nação sul-americana de mão de obra imigrante, mas também
de intelectuais que fugiam do avanço do fascismo, Espanha e Itália. O visível
florescimento depois da primeira grande guerra, e um brilhante ambiente cultural,
eram a grande atração para os intelectuais europeus, a Buenos Aires foram
chegando, como conta Irma Emiliozzi, no seu “El 27…en Buenos Aires”. Nessa
obra, “El 27, Ayala, Bautista, Diego, Lorca en Buenos Aires.
Estudios y documentación inédita”, se compilam as intervenções dos
convidados espanhóis e argentinos que expuseram nas jornadas internacionais em
Buenos Aires sobre o “grupo de 1927”. Inclui a “Homenaje a
Francisco Ayala en su siglo”, realizada pelo Centro Cultural
de España em Buenos Aires (CCEBA) a Fundación Carolina de
Argentina, coordenado por Irma Emiliozzi, em Buenos Aires, em setembro
de 2007. Foram homenagens aos 80 anos da formação do que se chamou a geração
de 27, geração de 25, geração da amizade, ou “Grupo del 27”.
Lorca e a Avenida de Mayo
A Avenida de Mayo é uma via
espaçosa e clássica no bairro de Montserrat, o mais espanhol e tradicional da
cidade, inaugurada em 9 de julho de 1894. Muitas das suas lojas, hotéis e
esquinas trazem à memória o ambiente familiar do espanhol, com nomes como o Hotel
Escorial, o Hotel Madrid, o Gran Hotel Hispano, ou o Mesón
Español.
É a Avenida de Mayo é também, e
sempre foi, a via do cenário político, uma vez que une a Casa Rosada,
sede do poder executivo com a “Plaza de los dos Congresos” -assim chamada
por causa da Assembleia do ano 1813 e do Congresso de
Tucumán, de 9 de julho de 1816-.
A avenida exige do visitante um
detalhado percurso literário, pois nela se sucedem o lugar onde
José Hernández escreveu seu Martín Fierro, onde funcionava o jornal La
Prensa, em que Borges fez suas primeiras armas jornalísticas, e
ali também se encontra o Bar London, onde Julio Cortázar imaginou o
ambiente de Los premios, de 1960. Desde 1997, a Avenida é
reconhecida e preservada por lei como um lugar histórico nacional.
E até a avenida chegaram também os
fortes tremores das lutas políticas na Espanha durante a Guerra Civil, já que
nela ficam também os dos cafés, o “El Iberia”, que reúnem durante esses
anos os republicanos, fato lembrado pela placa de 2006, aniversario dos 70 anos
da 2ª República, e também o “El Español”, onde se reuniam os “nacionales”,
partidários de Franco e dos golpistas; e ainda ficavam um em frente ao outro,
como numa metáfora da guerra que dividiu a Espanha de 1936 a 39 –e ainda
divide, na memória mal resolvida pela “transição”-.
Esta é a avenida dos galegos e dos
espanhóis -sobretudo republicanos- em geral. Por isso é que há uma placa
lembrando Lorca no principal hotel da região, e outra em homenagem aos membros
das Brigadas Internacionais argentinos e uruguaios que foram lutar contra
Franco.
E foi esse da avenida o espaço vital
que conheceu Federico García Lorca durante seu encontro com a grande cidade
portenha na época em que o poeta viaja a Buenos Aires. Cidade de imigrantes, é
adornada com as melhores galas da arte modernista, europeia e universal, que
deixou as marcas importantes de um luxo que ainda hoje brilham e comovem os que
são sensíveis às culturas, pela intensidade da sua beleza e dos seus
simbolismos.
É na Avenida de Mayo, no
número 1152, onde fica o Hotel Castelar, assim chamado porque os donos
quiseram homenagear o primeiro presidente da Iª República Espanhola, dom Emilio
Castelar. Hotel construído sob os cânones da época, foi nele que se hospedou
nosso poeta, no quarto 704, que foi restaurado em 2003 e que hoje pode ser
visitado aos finais de semana. Uma placa na fachada e um poema, lembra hoje o
ilustre visitante granadino.
E é na Avenida de Mayo que estão
os pontos de maior referência na visita de Lorca a Buenos Aires, a Peña
Signo, o Teatro Avenida, o Café Tortoni, a Peña
de las Gentes de las Artes y las Letras, o café 36 Billares, e
a rádio Splendid -que foi a que gravou a voz do poeta durante a visita.
Mas voltando à chegada de Lorca,
lembremos as palavras de agradecimento que não podiam faltar na ocasião:
“En el comienzo de mi vida de
autor dramático, yo considero como un fuerte espaldarazo la ayuda de Buenos
Aires que corresponde buscando su perfil entre los barcos, sus mandoneones, sus
finos caballos tendidos al viento, la música dormida de su castellano suave,
los hogares limpios donde el tango abre en el crepúsculo sus mejores abanicos
de lágrimas”.
Lorca chega a Buenos Aires quando já
é bem conhecido na Espanha, pois em 1927 apresentou em Barcelona sua peça Mariana
Pineda, e em 1928 publicou seu Romancero gitano, e mais
tarde, em 1931, seus Poemas del cante jondo, e em 1933 se apresenta
em Madri, no Teatro Fontalva com o famoso Bodas de sangre, e é
codiretor de La Barraca com Manuel Ugarte.
Em 1928, Federico García Lorca funda
a revista Gallo para fazer conhecer a jovem poesia, que embora
dure só dois números, algumas de suas matérias tem um nível e uma repercussão
muito fortes, como o que apresenta o “Manifiesto antiartístico catalán”
de Salvador Dalí.
Javier
Villanueva. São Paulo. Julho de 2015.
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